Tentaram transformar a floresta em uma réplica dos EUA, mas criaram apenas o maior fracasso americano em solo brasileiro. Entenda por que a natureza venceu essa batalha
Em meio à vastidão da floresta amazônica, às margens do rio Tapajós, repousa o que restou de um dos projetos industriais mais ambiciosos e insólitos do século XX: Fordlândia, uma cidade idealizada por Henry Ford, o magnata da indústria automobilística americana, que tentou transformar um pedaço da selva em uma réplica do sonho americano.
O plano era grandioso: cultivar borracha para abastecer a produção de pneus da Ford Motor Company, reduzindo a dependência das plantações controladas por britânicos e holandeses no sudeste asiático.
O resultado, no entanto, foi um desastre logístico, ambiental e cultural, um alerta que ainda hoje reverbera sobre os limites do industrialismo imposto.
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Por que a Ford foi parar na Amazônia?
Em 1927, diante da escassez e da alta do preço da borracha asiática, essencial para pneus, mangueiras e peças automotivas, Henry Ford buscava uma solução que o tornasse autossuficiente.
A alternativa encontrada foi o Brasil, país onde as árvores nativas de seringueira (Hevea brasiliensis) cresciam naturalmente, e que, décadas antes, havia sido o maior exportador de látex do mundo durante o chamado Ciclo da Borracha.
Através de um acordo com o governo brasileiro, Ford adquiriu cerca de 10 mil km² de terras no estado do Pará, na região de Belterra, por um valor simbólico. Começava ali a construção de uma cidade que, segundo os planos, teria escolas, hospitais, casas com jardim, cinemas, refeitórios e uma rigorosa organização à moda norte-americana. O nome do local seria Fordlândia, uma utopia industrial em plena floresta.
Uma cidade americana onde a floresta era soberana
O projeto foi erguido com precisão mecânica: operários brasileiros construíram casas padronizadas, pavimentaram ruas, montaram sistemas de esgoto e abriram clareiras na floresta para as plantações de seringueiras. A ideia de Ford era reproduzir não apenas a produtividade, mas o estilo de vida americano, com moral rígida, proibição de bebidas alcoólicas, dieta com hambúrguer e regras de comportamento.
Mas esse modelo ignorou completamente o ambiente, o clima, os hábitos alimentares e a cultura dos trabalhadores locais. Em pouco tempo, surgiram atritos. Muitos empregados se rebelaram contra a rigidez do refeitório e as condições de trabalho impostas.
O episódio ficou conhecido como a “revolta do refeitório”, quando funcionários destruíram parte das instalações e forçaram a intervenção do Exército Brasileiro.
O fracasso técnico: a natureza não obedece à linha de produção
Se os problemas sociais já prenunciavam o desastre, o golpe final veio da própria biologia. Na ânsia por eficiência, os agrônomos de Ford plantaram as seringueiras em fileiras homogêneas, como milho em um campo americano.
Só que, na Amazônia, isso criou o ambiente ideal para pragas e fungos. O que antes era uma planta resistente na floresta nativa, tornou-se vulnerável em monocultura.
Segundo pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), a plantação sucumbiu rapidamente a ataques de fungos como o Microcyclus ulei, impossibilitando qualquer produção escalável de borracha. A cidade, construída para a produtividade, jamais entregou o que prometia.
O fim de um sonho (e o início de um fantasma)
Apesar dos prejuízos acumulados, Henry Ford ainda tentou manter Fordlândia por mais de uma década. Nos anos 1940, com o surgimento do caucho sintético e os altos custos logísticos, a Ford Motor Company decidiu abandonar o projeto. Em 1945, o complexo foi entregue ao governo brasileiro sem nunca ter produzido uma gota significativa de látex para Detroit.
Hoje, Fordlândia permanece como uma cidade parcialmente habitada, com construções em ruínas e marcas de uma utopia que não se realizou.
Algumas das antigas instalações ainda são usadas por moradores locais, enquanto outras estão sendo estudadas por historiadores, ambientalistas e cineastas interessados no simbolismo da tentativa frustrada de domar a selva com máquinas e regras importadas.
Um legado de lições para o século XXI
A história de Fordlândia tem ganhado novo fôlego nas últimas décadas por meio de livros, documentários e pesquisas acadêmicas.
Obras como Fordlândia – The Rise and Fall of Henry Ford’s Forgotten Jungle City, do historiador Greg Grandin, vencedor do Pulitzer, detalham como a arrogância industrial colidiu com uma realidade ecológica e cultural impossível de replicar.
A cidade também virou objeto de estudo em universidades brasileiras como a UFOPA e a USP, além de ser foco de reportagens recentes da BBC Brasil e do jornal Folha de S.Paulo. Há, inclusive, projetos de turismo histórico e ecológico sendo avaliados por autoridades locais como mostra esta reportagem do Estadão.
Mais que um fracasso industrial, Fordlândia é um espelho de nossa relação com a floresta: uma lição amarga sobre como a Amazônia não se dobra à lógica do lucro fácil, da padronização cultural ou do progresso sem escuta.