Um novo estudo revela que, mesmo com filtros modernos, os carros a gasolina continuam liberando substâncias altamente tóxicas no ar após a combustão. Poluem mais do que o diesel? A ciência responde.
Há cerca de dez anos, o mundo testemunhou um dos maiores escândalos da indústria automotiva: o Dieselgate. A fraude envolvia veículos a diesel do Grupo Volkswagen que manipulavam testes de emissões para aparentar serem menos poluentes do que realmente eram. O alvo das investigações foram principalmente os óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes altamente tóxicos associados a doenças respiratórias, cardiovasculares e mortes prematuras.
Desde então, os motores a diesel aram a ser considerados os grandes vilões da poluição veicular, levando governos a restringirem ou até proibirem sua circulação em grandes centros urbanos na Europa. No entanto, uma nova reviravolta científica está mudando essa percepção.
Nova pesquisa surpreende: carros a gasolina modernos também são tóxicos
De acordo com um estudo publicado na renomada revista Science Advances, carros a gasolina — mesmo os mais modernos e equipados com filtros de partículas — também são altamente poluentes. O trabalho foi conduzido por uma equipe internacional de cientistas do Helmholtz Munich Center e da Universidade de Rostock, na Alemanha.
-
Esse homem ganha dinheiro fazendo o que poucos querem nos EUA — e ainda fatura alto com isso
-
O que aconteceu quando colocaram o Gol GTI de rua para desafiar o carro oficial do rali em 1989?
-
Por que o Irã proibiu eios com cães, a pé ou em veículos, e está tratando como crime quem desobedece à determinação?
-
Os catadores de Jade têm um rendimento superior à média nacional, mas arriscam a vida em deslizamentos de terra mortais e na exploração
Eles investigaram os efeitos dos gases de escapamento de um carro a gasolina conforme os padrões mais rigorosos da Europa (Euro 6d), que regula os níveis máximos de poluição liberada. O carro analisado estava equipado com filtro de partículas, uma tecnologia voltada a capturar resíduos sólidos da queima do combustível.
O que surpreendeu os pesquisadores foi o que ocorre após esses gases serem liberados na atmosfera.
Poluição invisível: o que acontece com os gases de escapamento após o carro ser desligado?
Segundo o estudo, os gases liberados por veículos a gasolina podem parecer seguros logo após saírem do escapamento, mas am por um processo natural chamado envelhecimento fotoquímico. Trata-se de uma transformação induzida pela luz solar e pelos oxidantes atmosféricos, que altera a composição química original dos poluentes.
Esse envelhecimento produz substâncias secundárias — carbonílicos voláteis, por exemplo — que aumentam significativamente a toxicidade dos poluentes, mesmo quando originados por motores modernos com filtros de partículas.
Os gases testados, após essa transformação natural, causaram danos severos ao DNA e estresse oxidativo em células humanas expostas no laboratório. Isso levanta sérias dúvidas sobre a segurança real das emissões de veículos a gasolina modernos.
Euro 6d não é suficiente? Estudo aponta falha crítica nas normas ambientais
As normas Euro 6d são as mais rígidas da Europa no controle de poluição veicular, exigindo que os carros apresentem níveis mínimos de poluentes na saída do escapamento. No entanto, o estudo revela que esse critério pode ser enganosamente tranquilizador.
A pesquisa mostra que os testes atuais não consideram o comportamento dos poluentes após entrarem em contato com o meio ambiente, onde ocorrem reações químicas naturais que os tornam mais nocivos.
Segundo a autora principal do estudo, Dra. Mathilde Delaval, “essa é uma falha crítica nos processos de regulamentação, pois apenas medir os gases diretamente na saída do escapamento não reflete seu impacto real na saúde pública”.
Gasolina ou diesel: afinal, qual polui mais?
Tradicionalmente, o diesel foi considerado o mais poluente, especialmente por emitir grandes quantidades de NOx e partículas finas. No entanto, veículos a diesel modernos com tecnologia Euro 6 já apresentam níveis muito mais controlados dessas emissões.
Por outro lado, os carros a gasolina, mesmo com filtros de partículas, podem liberar compostos secundários altamente tóxicos após reagirem com a luz solar. Ou seja, a poluição dos carros modernos a gasolina foi subestimada por anos.
A conclusão dos pesquisadores é clara: não é mais possível dizer que o diesel polui mais que a gasolina sem considerar os efeitos posteriores à emissão.
O que é o envelhecimento fotoquímico e por que ele é tão preocupante?
O envelhecimento fotoquímico é um processo natural e inevitável que ocorre quando poluentes atmosféricos entram em contato com a luz solar, especialmente com os radicais livres e o ozônio troposférico. Esse fenômeno transforma gases aparentemente “inofensivos” em compostos tóxicos, como:
- Aldeídos
- Cetonas
- Peróxidos orgânicos
- Subprodutos voláteis oxigenados (VOCs)
Esses compostos conseguem penetrar profundamente nos pulmões humanos, causando inflamação crônica, mutação genética e risco aumentado de câncer.
Por que a regulamentação precisa ir além do escapamento?
A mensagem dos pesquisadores é urgente: avaliar a poluição dos carros apenas na fonte de emissão é insuficiente. A verdadeira ameaça está naquilo que os poluentes se tornam depois de interagir com o meio ambiente.
Para isso, é necessário que os testes considerem:
- Simulação do envelhecimento atmosférico
- Análise de reatividade dos compostos orgânicos voláteis (VOCs)
- Impacto em tecidos humanos após exposição prolongada
- Modelos que incluam o comportamento dos gases em áreas urbanas densas
Essa abordagem mais ampla poderia modificar completamente o que consideramos “veículo limpo”.
Diesel moderno é menos vilão do que pensávamos?
Com base nas normas Euro 6d e em tecnologias como SCR (Redução Catalítica Seletiva) e AdBlue, os veículos a diesel de última geração vêm apresentando níveis bem menores de NOx e material particulado. Muitos modelos já superam testes de rodagem real com bons resultados.
Ao contrário dos carros a gasolina, os motores diesel modernos não produzem tantos VOCs após envelhecimento fotoquímico. Isso os torna, paradoxalmente, potencialmente menos perigosos para a saúde em alguns cenários urbanos — embora ainda haja ressalvas quanto ao seu uso em larga escala.
E quanto aos carros híbridos e elétricos?
A eletrificação é apontada como a solução mais viável para reduzir emissões no setor de transportes. Carros híbridos, no entanto, ainda utilizam motores a combustão e podem estar sujeitos às mesmas falhas regulatórias quando o assunto é envelhecimento atmosférico.
Os carros 100% elétricos eliminam as emissões diretas de escapamento, mas ainda geram poluição secundária (partículas de pneus, freios, recarga via energia suja etc.). Apesar disso, representam uma redução significativa da poluição urbana e devem ser prioridade em políticas públicas ambientais.
O que dizem os especialistas sobre a nova descoberta?
Vários cientistas e ambientalistas reagiram com preocupação ao estudo. Para o Dr. Andreas Winkler, pesquisador da área de toxicologia ambiental na Alemanha, “essas descobertas mudam o jogo completamente. Não basta seguir as normas: é preciso entender o que os gases se tornam”.
A Dra. Delaval, autora do artigo, reforça: “O impacto cumulativo dessas emissões envelhecidas ainda não é adequadamente considerado em estudos de qualidade do ar. Isso é especialmente grave em grandes cidades, onde milhões de veículos a gasolina trafegam diariamente”.
O que pode mudar com esse estudo?
A divulgação do estudo pode pressionar legisladores e órgãos ambientais a reverem os parâmetros de medição de emissões veiculares. Entre as propostas debatidas estão:
- Criação de testes de envelhecimento atmosférico obrigatório
- Incorporação de medição de toxicidade secundária
- Ampliação dos limites de compostos oxigenados voláteis (OVOCs)
- Revisão das normas Euro em ciclos futuros (Euro 7, por exemplo)
A comunidade científica está unida em torno de uma proposta: não basta medir o que sai do carro — é preciso medir o que chega aos pulmões.
Durante muito tempo, acreditamos que o diesel era o maior vilão da poluição automotiva — e em muitos casos, era mesmo. No entanto, com o avanço da tecnologia e normas como a Euro 6d, a realidade mudou.
O novo estudo conduzido pelo Helmholtz Munich e publicado na Science Advances mostra que os carros a gasolina modernos também representam uma ameaça silenciosa à saúde pública, especialmente por conta das reações químicas que ocorrem após a emissão dos gases.
Portanto, a pergunta “gasolina ou diesel polui mais?” já não tem uma resposta simples. Ambos têm seus impactos, e a solução real a por rever os critérios regulatórios, incentivar a mobilidade elétrica e educar o consumidor sobre o ciclo completo da poluição atmosférica.