Uma nova hipótese sobre a matéria escura pode oferecer respostas para alguns dos maiores enigmas da nossa galáxia. Pesquisadores sugerem que uma forma alternativa dessa substância invisível seria capaz de explicar a distribuição incomum de estrelas e padrões gravitacionais da Via Láctea
Os cientistas observam há décadas dois fenômenos intrigantes no coração da Via Láctea. Um deles é a taxa surpreendentemente alta de ionização do gás na chamada zona molecular central (ZMC), uma região densa e caótica próxima ao núcleo galáctico.
O outro é um brilho persistente de raios gama com energia de 511 quiloelétron-volts (keV), identificado por telescópios desde a década de 1970.
Agora, um novo estudo publicado na revista Physical Review Letters propõe que ambos os efeitos podem ter uma causa comum: uma forma leve e até então pouco considerada de matéria escura.
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Gás carregado em excesso
A ZMC se estende por aproximadamente 700 anos-luz, composta por alguns dos gases moleculares mais densos da galáxia.
Um dado chamou atenção dos astrônomos: o gás ali presente está fortemente ionizado. Isso significa que as moléculas de hidrogênio estão sendo quebradas em partículas carregadas (elétrons e núcleos) numa velocidade muito maior do que a esperada.
Esse tipo de ionização poderia ser causado por raios cósmicos ou pela radiação de estrelas, mas essas fontes conhecidas não explicam os níveis registrados na ZMC. A intensidade observada está acima do que esses mecanismos tradicionais seriam capazes de produzir.
Raios gama sem fonte clara
O segundo mistério é o brilho de 511 keV. Essa radiação específica é emitida quando um elétron encontra sua antipartícula, o pósitron. Ao colidirem, os dois se aniquilam, liberando essa energia característica em forma de luz.
A origem desses pósitrons, no entanto, ainda não é compreendida. Já foram sugeridas explicações como supernovas, buracos negros e estrelas de nêutrons. Nenhuma, até hoje, conseguiu justificar plenamente o padrão ou a intensidade do brilho observado.
A pergunta que levou à hipótese
Com esses dados em mãos, os pesquisadores decidiram investigar uma nova possibilidade: e se ambos os fenômenos, a ionização e os raios gama, estiverem ligados ao mesmo processo oculto?
A proposta envolve uma candidata improvável, mas que começa a ganhar força: uma forma leve de matéria escura.
Esse tipo de partícula, mais leve que um próton, tem sido pouco estudada até hoje. Mas ela pode representar uma fração significativa da matéria invisível que compõe 85% do universo.
Essas partículas, chamadas de matéria escura sub-GeV (menos de um gigaelétron-volt), poderiam se aniquilar com suas próprias antipartículas, gerando elétrons e pósitrons no processo.
Energia liberada no lugar certo
A equipe de cientistas simulou como essas partículas se comportariam na ZMC. Por ser uma região extremamente densa, a energia liberada por essas aniquilações seria rapidamente absorvida pelo gás ao redor. Esse efeito local faria com que as moléculas de hidrogênio fossem ionizadas com muita eficiência — exatamente o que se observa na ZMC.
As simulações mostraram que essa hipótese funciona bem. O perfil de ionização previsto pela teoria coincide com o comportamento real do gás observado pelos astrônomos.
Além disso, os parâmetros usados no modelo, como massa e força de interação da matéria escura, não violam nenhuma das restrições conhecidas da física do universo primordial.
O elo com os raios gama
A mesma aniquilação que gera elétrons também produz pósitrons. Esses, por sua vez, podem desacelerar e se encontrar com elétrons do ambiente. Quando isso acontece, ocorre a emissão dos raios gama com energia de 511 keV.
A hipótese, portanto, une os dois fenômenos em uma única explicação: a matéria escura leve e suas interações no centro galáctico.
A quantidade de brilho gerada depende de vários fatores, como a eficiência com que pósitrons se combinam com elétrons e o local exato onde essas aniquilações acontecem. Esses detalhes ainda não estão totalmente definidos, mas os indícios apontam que há uma conexão possível entre os dois sinais.
Nova ferramenta para estudar o invisível
Mesmo que a ligação com os raios gama ainda precise de mais evidências, os pesquisadores destacam que a taxa de ionização na ZMC pode ser usada como uma nova ferramenta para investigar a matéria escura.
Como essas partículas são muito leves, experimentos em laboratórios na Terra têm dificuldade em detectá-las. Mas a observação do comportamento do gás no centro da galáxia pode ser uma forma eficaz de identificar sua presença.
As simulações também indicam que a distribuição da ionização causada por matéria escura seria relativamente uniforme em toda a ZMC. Isso bate com o que os telescópios estão observando.
Fontes como o buraco negro central ou explosões de supernovas costumam produzir ionizações localizadas, não tão espalhadas. Já um halo de matéria escura distribuído em torno do centro galáctico se encaixa melhor nesse perfil.
O que o futuro pode revelar
O estudo sugere que o centro da Via Láctea é uma região promissora para revelar a natureza da matéria escura. Com telescópios mais avançados no futuro, será possível mapear com mais precisão tanto a taxa de ionização quanto a emissão dos raios gama.
Essas novas observações poderão confirmar ou descartar a hipótese de que ambos os fenômenos são causados pela mesma fonte.
Enquanto isso, a ZMC continua sendo observada com atenção. Cada nova medição pode ajudar a decifrar um dos maiores mistérios da física moderna.
Mesmo sem respostas definitivas, o trabalho reforça uma ideia simples e poderosa: o universo ainda tem muitos segredos. E às vezes, basta olhar para dentro, para o coração da nossa própria galáxia, para encontrar pistas sobre o que está além.