Empresa criada por João Gurgel tentou consolidar a indústria automotiva brasileira independente, mas encontrou barreiras políticas e econômicas que levaram ao seu fim.
Nos anos 1970, enquanto o mercado automotivo brasileiro era dominado por multinacionais, um engenheiro paulista ousou seguir um caminho diferente. João do Amaral Gurgel fundou a Gurgel Motores, com a ambição de criar um carro 100% nacional, feito por brasileiros e para brasileiros. A trajetória da empresa, no entanto, foi marcada por obstáculos estruturais, ausência de incentivos e resistência dos setores público e privado. A Gurgel, que simbolizava o sonho da autonomia industrial, acabou derrotada por um sistema que não estava preparado — ou disposto — a apoiar sua proposta.
João Gurgel: o idealista por trás da iniciativa
Nascido em 1926, em Franca, no interior de São Paulo, João Gurgel formou-se engenheiro mecânico-eletricista pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou em empresas do setor automotivo, inclusive na Willys Overland, mas seu objetivo era ir além do papel de funcionário: queria transformar o Brasil em um país capaz de fabricar seus próprios automóveis, sem depender de peças, projetos ou tecnologias estrangeiras.
Em 1969, João Gurgel fundou a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos S.A., com o objetivo de fabricar veículos adaptados às condições do Brasil. A empresa começou produzindo pequenos jipes com carroceria de fibra de vidro, que eram mais leves, resistentes e adequados ao território nacional.
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O primeiro modelo lançado foi o Gurgel Ipanema, também em 1969. Esse veículo marcou o início da produção em série da empresa, com um projeto de identidade totalmente própria.
Já em 1973, a Gurgel apresentou o Xavante XT, um jipe mais robusto que substituiu o Ipanema. O Xavante trouxe inovações importantes, como o chassi Plasteel – uma estrutura tubular revestida de fibra de vidro e resina – e o sistema Selectraction, que melhorava a tração em terrenos difíceis. Essas soluções técnicas ajudaram a consolidar a reputação da Gurgel como fabricante nacional de veículos utilitários resistentes e inovadores.
A proposta de um carro 100% nacional
O grande diferencial da Gurgel estava no foco em veículos adaptados à realidade brasileira: ruas de terra, terrenos acidentados e custos reduzidos de manutenção. O engenheiro defendia que o Brasil precisava de um carro com “alma nacional”. Assim surgiu o projeto BR-800, lançado em 1988 com o propósito de se tornar o primeiro carro popular genuinamente brasileiro.
O BR-800 tinha duas portas, motor de dois cilindros, estrutura leve e consumo baixo. Sua proposta era atender famílias de baixa renda e estimular o desenvolvimento industrial nacional. O projeto chegou a receber o apoio inicial do governo de José Sarney, que concedeu incentivos fiscais — como isenção de IPI — para o modelo, desde que o consumidor adquirisse ao menos uma ação da empresa.
A Tesla brasileira? Como Gurgel desenvolveu um carro elétrico 100% nacional
Muito antes de Elon Musk popularizar os veículos elétricos com a Tesla, o engenheiro João Gurgel já vislumbrava um futuro movido a eletricidade. Em 1974, em pleno regime militar e em meio à crise do petróleo, a Gurgel apresentou o Itaipu E150, o primeiro carro elétrico desenvolvido na América Latina — e totalmente feito no Brasil.
Compacto, com design arrojado e pensado para deslocamentos urbanos, o Itaipu era movido por baterias de chumbo-ácido e tinha autonomia de cerca de 60 km por carga. A velocidade máxima girava em torno de 60 km/h, números modestos hoje, mas impressionantes para a época e as limitações tecnológicas disponíveis.
João Gurgel acreditava que o futuro da mobilidade estava na eletrificação, e via no Itaipu uma alternativa econômica e sustentável para o tráfego urbano. O modelo chegou a ser exibido no Salão do Automóvel de São Paulo e atraiu grande atenção, mas nunca entrou em produção comercial, principalmente por limitações tecnológicas e pela falta de apoio governamental.
Mesmo assim, o projeto se mantém como um dos maiores símbolos da visão futurista e da ousadia tecnológica da Gurgel, antecipando em décadas tendências que só agora se tornaram realidade global. Se tivesse tido o e necessário, talvez a história da Gurgel fosse reescrita — e o Brasil poderia ter tido sua própria “Tesla” muito antes do resto do mundo.
O crescimento e os obstáculos
Durante os anos 1980, a Gurgel chegou a empregar mais de 2.000 pessoas em sua fábrica localizada em Rio Claro, no interior de São Paulo. Lançou modelos como o Xavante, Carajás e o Motomachine, voltado ao público urbano.
Mesmo sem contar com as facilidades tecnológicas e logísticas das multinacionais, a Gurgel demonstrava capacidade de inovação. Um exemplo foi o sistema Plasteel, uma estrutura composta por plástico, fibra de vidro e reforçado com aço, usada para substituir chapas metálicas e reduzir custos. Também investiu em pesquisas para desenvolver um motor 100% nacional, o Enertron, lançado com o BR-800.
Mas as dificuldades eram crescentes. Os custos elevados de produção, a baixa escala e a competição desleal com montadoras estrangeiras dificultavam a consolidação da empresa. A dependência de fornecedores externos e a ausência de uma política industrial mais robusta para apoiar fabricantes independentes agravaram o cenário.
O golpe da abertura de mercado
O fim da década de 1980 e início dos anos 1990 trouxe mudanças decisivas para a economia brasileira. Com a chegada do governo de Fernando Collor de Mello, em 1990, o país iniciou um processo de abertura comercial, reduzindo drasticamente tarifas de importação e facilitando o o a veículos estrangeiros.
A medida, que visava modernizar a indústria nacional e aumentar a competitividade, teve efeito devastador sobre empresas de menor porte, como a Gurgel. Os carros populares importados, como o Fiat Uno Mille e o Ford Escort, aram a competir com preços mais atrativos, melhor desempenho e maior apelo de marca.
Sem os mesmos recursos para reduzir custos e aumentar a escala de produção, a Gurgel viu sua fatia de mercado diminuir rapidamente. Os pedidos caíram, os estoques aumentaram e o endividamento se agravou.
A tentativa de resistir
João Gurgel não desistiu facilmente. Tentou viabilizar um novo modelo, o Delta, com tecnologia avançada para os padrões da empresa. Ele também buscou apoio junto ao BNDES e ao governo federal, na tentativa de obter financiamento para manter a operação.
Apesar dos esforços, os pedidos de ajuda foram ignorados. Sem e público ou privado, a Gurgel entrou em colapso. Em 1994, a fábrica de Rio Claro encerrou suas atividades. No ano seguinte, a empresa pediu falência na Justiça.
O fim foi amargo para quem dedicou a vida à ideia de uma indústria automotiva nacional. João Gurgel morreu em 2009, sem ver o renascimento do sonho que cultivou por décadas.
Legado e reconhecimento tardio
Apesar do fim precoce, a Gurgel continua sendo lembrada como um símbolo de independência tecnológica e ousadia empresarial. Seus veículos são hoje objetos de colecionadores e entusiastas da engenharia brasileira.
O modelo BR-800, embora tenha enfrentado críticas pela limitação técnica, foi o primeiro o concreto de um projeto industrial nacional. As soluções adotadas pela empresa, como o uso da fibra de vidro e a tentativa de motor próprio, anteciparam tendências que só seriam adotadas anos depois por montadoras globais.
Em 2013, uma proposta de lei sugeriu tornar João Gurgel patrono da indústria automobilística nacional. A medida, embora simbólica, mostra o reconhecimento do esforço de um empreendedor que tentou romper com a dependência externa em um dos setores mais estratégicos da economia.
Comparações com o cenário atual
adas três décadas do fim da Gurgel, o Brasil continua sendo um grande mercado consumidor de automóveis, mas a indústria segue altamente concentrada nas mãos de montadoras estrangeiras. A produção local ainda depende de tecnologias, patentes e componentes vindos de fora.
O caso da Gurgel expôs a dificuldade estrutural que o Brasil enfrenta para consolidar iniciativas industriais independentes. A ausência de uma política de Estado voltada à inovação, aliada à burocracia e instabilidade econômica, afasta investimentos de longo prazo.
Hoje, com a transição para a mobilidade elétrica e a digitalização do setor automotivo, o país enfrenta o risco de repetir o erro: importar soluções em vez de desenvolver tecnologias próprias. A trajetória da Gurgel serve como alerta e inspiração.
O que restou da Gurgel
Embora extinta oficialmente, a marca Gurgel permanece viva na memória de muitos brasileiros. Diversos fóruns, sites e grupos em redes sociais preservam a história da empresa. Modelos restaurados ainda circulam por cidades brasileiras, carregando o símbolo de um projeto que tentou mudar os rumos da indústria nacional.
O prédio da antiga fábrica em Rio Claro foi desativado, mas a lembrança do que foi produzido ali continua a mobilizar apaixonados por veículos com DNA genuinamente brasileiro. Alguns empreendedores chegaram a demonstrar interesse em adquirir os direitos da marca, mas nenhuma tentativa de retomada prosperou até o momento.
Ele declarou ” brigamos com os gigantes ,,,,e perdemos a batalha foi o fim de sua fábrica e seu sonho,adoeceu e morreu!?
João Gurgel foi traído pelo governo do Ceará na época, pois uma de suas fábricas estava sendo instalada no estado e o prometido apoio foi negado no momento mais crucial.
Verdade, e se não me engano por esse **** Ciro Gomes
O próprio. Sempre fujão dos seus compromissos patrióticos
foi inviáveis tecnológica aos carros elétrico na época e problema até hoje não é resolvido ainda a durabilidade da bateria e postos de carregamento rápido
Eu lembro disso !
Esse é o brasil de sempre ,que não temos nenhum orgulho, e que por esses e outros motivos , nunca deixará de ser colônia de exploração e “terceiro mundo!!!!!”
Infelizmente é isso aí mesmo. China bombando, Turquia bombando, Índia bombando e o Brasil numa eterna paradeira…
20.000 likes pela sua afirmação
Nós esquecemos até quem inventou o avião.Uma pena.