Grupo agroindustrial com presença nacional entra em crise financeira após investimentos arriscados, fusões mal planejadas e colapso no mercado de soja, acionando a Justiça para evitar colapso completo e tentando salvar operações estratégicas no Centro-Oeste.
O agronegócio brasileiro vive mais um episódio de instabilidade financeira com a entrada do Grupo Safras em recuperação judicial.
O pedido foi protocolado no último dia 4 de abril de 2025, na 4ª Vara Cível da comarca de Sinop, no Mato Grosso, e representa um marco preocupante para o setor.
Com um ivo que supera os R$ 2 bilhões, a solicitação escancara os riscos de um modelo de expansão acelerada, pouco sustentado por financiamentos estruturados e altamente exposto às oscilações do mercado de commodities, como a soja.
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O pedido de recuperação judicial inclui três empresas principais: Safras Armazéns Gerais, Safras Bioenergia e Safras Agroindústria.
Embora atuem de forma integrada no agronegócio, as companhias mantêm patrimônios e estruturas operacionais distintas.
A estratégia do conglomerado, conforme informado na petição judicial, é consolidar todas as dívidas em um único processo para otimizar recursos e acelerar a gestão da crise.
Raízes de uma crise: soja, aquisições e investimentos de risco
O colapso financeiro do Grupo Safras é resultado de uma combinação de fatores econômicos, estratégicos e operacionais.
Entre os principais, estão a acentuada queda nos preços da soja em 2023, a aquisição mal calculada da Copagri e os altos investimentos em uma usina de etanol de milho, localizada em Sorriso (MT).
A forte desvalorização da soja comprometeu o escoamento de grãos e resultou na venda de apenas 40% da safra estimada.
Com isso, o giro de estoque nos armazéns ficou travado, afetando severamente o fluxo de caixa da companhia.
Ao mesmo tempo, a compra da Copagri – ocorrida em 2023 – adicionou mais de R$ 500 milhões em dívidas ao balanço do grupo, sem retorno proporcional em receita ou produtividade.
Outro ponto crucial foi o investimento em uma usina de etanol com capacidade para produzir 43 milhões de litros por ano, feito sem o apoio de linhas de crédito estruturadas.
Esse projeto, embora promissor, demandava grandes aportes e prazos longos para retorno, o que acabou aprofundando ainda mais o rombo nas finanças da empresa.
Além disso, a fusão entre a Copagri e a estrutura da Safras Agroindústria revelou-se um desafio.
Diferenças nas culturas organizacionais e nos sistemas de gestão resultaram em ineficiências operacionais e aumentos de custo, comprometendo a integração e elevando ainda mais o nível de endividamento.
Dívidas bilionárias e credores sob alerta
O Grupo Safras declarou uma dívida total de R$ 2,2 bilhões.
No entanto, analistas de mercado indicam que o valor real pode variar ligeiramente para menos, oscilando em torno de R$ 2 bilhões.
Apesar da imprecisão nos números, o impacto é significativo e mobiliza a atenção de grandes credores do setor financeiro.
Entre os principais afetados estão instituições como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, cujos valores de exposição não foram divulgados oficialmente.
A gestora Flowinvest, por sua vez, possui cerca de R$ 300 milhões expostos via Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
Também figuram na lista de credores diversos investidores de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) vinculados à aquisição da Copagri.
Entre eles estão fundos como Vectis, VCRA11 e RURA11, todos associados à Itaú Asset, com um montante aproximado de R$ 150 milhões.
O temor do mercado é que a recuperação judicial implique em descontos que podem chegar a até 50% dos valores devidos.
Isso se deve ao fato de que os ativos do Grupo Safras estão avaliados em torno de R$ 1 bilhão — ou seja, apenas metade do ivo total.
Estratégias jurídicas e operacionais para contornar a crise
Na tentativa de preservar suas operações essenciais, o grupo solicitou medidas emergenciais à Justiça.
Entre os pedidos estão a antecipação do “stay period” – período de 180 dias em que as cobranças e execuções judiciais ficam suspensas – e o reconhecimento da essencialidade de 14 armazéns com capacidade total superior a 700 mil toneladas, além da planta industrial localizada em Cuiabá (MT).
Essa unidade em Cuiabá, inclusive, foi recentemente alvo de uma disputa judicial envolvendo um pedido de reintegração de posse.
A liminar foi revertida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso, mas gerou instabilidade jurídica significativa para a empresa, especialmente para a Safras Agroindústria, responsável por parte relevante da operação.
Além dessas medidas, o grupo terá um prazo de 60 dias para apresentar formalmente o seu plano de reestruturação à Justiça.
Novo comando e mudanças internas
Para liderar o processo de reestruturação, o Grupo Safras contratou o executivo Carlos Eduardo de Grossi Pereira, conhecido como “Cacá”.
Ele possui experiência em reestruturações empresariais, tendo comandado ações semelhantes na GTFoods.
Sob sua direção, diversas medidas emergenciais já foram adotadas.
Entre elas estão o fechamento de escritórios estratégicos em Lucas do Rio Verde (MT) e Curitiba (PR), a redução da capacidade de armazenagem em cerca de 150 mil toneladas, além de tratativas com o BTG Pactual para rear parte das operações logísticas de armazenagem.
Apesar da gravidade da situação, o grupo ainda aposta no potencial estratégico de seus ativos, especialmente da usina de etanol e das unidades de processamento de grãos.
A expectativa é que esses ativos possam atrair o interesse de investidores estrangeiros, colaborando com o plano de recuperação.
Em nota oficial, a companhia afirmou que, com a suspensão temporária das dívidas, acredita ser possível
“estabelecer um ambiente jurídico seguro para recepcionar grãos de produtores, o que até então era inviável diante das ameaças de penhoras e protestos judiciais”.
Segundo a nota, durante a safra de soja, muitos produtores procuraram a Safras para entregar grãos, mas a empresa optou por não recebê-los para evitar comprometer novos ativos dos produtores em meio à instabilidade jurídica.
Reflexos no agro e o que esperar do futuro
A recuperação judicial do Grupo Safras representa um alerta vermelho para o agronegócio brasileiro.
A crise revela os riscos de alavancagens excessivas, fusões mal planejadas e a dependência extrema das commodities em um setor que, até pouco tempo, era considerado blindado contra turbulências econômicas.
O caso será acompanhado de perto por investidores, produtores e entidades do setor agroindustrial.
Seu desfecho pode impactar não apenas a credibilidade das empresas envolvidas, mas também a confiança em todo o modelo de financiamento rural baseado em CRAs e FIDCs.
A expectativa agora se volta para a apresentação do plano de recuperação judicial e para a resposta do mercado.
Caso o grupo consiga manter a operação de suas principais unidades e atrair novos parceiros, poderá reverter parte das perdas e estabilizar suas finanças a médio prazo.
Mas, diante de tantos desafios, a grande questão permanece: será o Grupo Safras capaz de reconquistar a confiança dos credores e retomar seu protagonismo no agronegócio brasileiro?
E você, acredita que outras gigantes do agro também podem estar à beira de crises semelhantes? Comente sua opinião e compartilhe este conteúdo com quem acompanha o setor!