Um avanço científico na China pode mudar o rumo da energia nuclear no mundo. Pesquisadores desenvolveram uma técnica de extração de urânio da água do mar que é até 40 vezes mais eficiente do que métodos anteriores.
A China acaba de dar um o decisivo no campo da energia nuclear. Pesquisadores anunciaram uma nova tecnologia que pode revolucionar como o urânio é extraído da água do mar.
O método é 40 vezes mais eficiente do que os anteriores e pode garantir uma fonte mais sustentável do combustível nuclear.
A inovação chega em um momento crítico, já que a demanda por urânio no país cresce rapidamente.
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Demanda em alta e fontes limitadas
Nos últimos anos, a China tem expandido sua infraestrutura de energia nuclear. Só em 2024, o país importou 13 mil toneladas de urânio natural.
A produção interna, no entanto, é muito menor: cerca de 1.700 toneladas.
Com o consumo aumentando, a Agência Internacional de Energia Atômica estima que a demanda chinesa vai ultraar 40 mil toneladas até 2040.
As minas atuais não conseguem acompanhar esse ritmo. Por isso, os cientistas aram a olhar para uma fonte menos convencional: o oceano.
Estima-se que a água do mar contenha até 4,5 bilhões de toneladas de urânio. Isso é mil vezes mais do que as reservas em terra.
O desafio da extração
Apesar da abundância, extrair urânio do mar não é fácil. A concentração de urânio na água é muito baixa — cerca de 3,3 miligramas por tonelada.
Outro problema é a presença de vanádio, um metal com propriedades químicas parecidas com o urânio. Separar os dois exige um processo complexo e caro.
Foi justamente nesse ponto que os cientistas chineses concentraram seus esforços. O objetivo era tornar esse processo de separação mais eficiente e viável em larga escala.
A tecnologia que muda o jogo
A inovação veio do Frontiers Science Centre for Rare Isotopes, da Universidade de Lanzhou. A equipe liderada pelo professor Pan Duoqiang desenvolveu um material que melhora em 40 vezes a separação entre urânio e vanádio.
A nova tecnologia consegue capturar seletivamente os íons de urânio e ignorar os de vanádio.
O estudo foi publicado na revista Nature Communications no início de abril. Segundo os pesquisadores, essa descoberta pode garantir à China um suprimento estável e independente de urânio por muitas décadas.
MOFs: a chave do avanço
A base da inovação está nas chamadas estruturas metal-orgânicas, ou MOFs. São compostos que combinam elementos orgânicos e inorgânicos.
Eles possuem superfícies muito grandes e estruturas ajustáveis, ideais para a captura seletiva de elementos como o urânio.
Porém, os MOFs tradicionais têm limitações. Quando projetados com precisão demais, acabam perdendo área de superfície e reduzindo os pontos ativos. Para contornar isso, os cientistas adicionaram moléculas chamadas DAE (difeniletileno) aos MOFs.
Essas moléculas reagem à luz ultravioleta e conseguem alterar o tamanho dos poros do material. Com isso, os MOFs se tornam mais adaptáveis e eficientes.
Testes em água real e simulada
O novo material, chamado DAE-MOF, foi testado tanto em água do mar simulada quanto em amostras reais. Em ambas as situações, o desempenho foi impressionante. O material conseguiu adsorver 588 miligramas de urânio por grama e obteve um fator de separação urânio-vanádio de 215. Isso supera todos os materiais já testados até hoje.
Os resultados animaram os pesquisadores, que agora buscam adaptar a tecnologia para uso em grande escala.
Superando o Japão
Durante décadas, o Japão liderou a corrida pela extração de urânio do mar. Entre os anos 1980 e 1990, o país conseguiu extrair 1 quilo de concentrado de urânio em testes no oceano — o maior rendimento até então.
Mas a China começou a mudar esse cenário. Em 2019, a estatal China National Nuclear Corporation formou uma aliança com 14 institutos de pesquisa.
Juntos, criaram a Seawater Uranium Extraction Technology Innovation Alliance, com metas ousadas para os próximos 30 anos.
Planos até 2050
A primeira fase do plano chinês vai até 2025 e busca igualar o feito do Japão. A meta é extrair urânio no nível de quilo em condições reais.
Depois disso, a expectativa é construir uma planta de demonstração com capacidade de tonelada até 2035. Por fim, até 2050, o objetivo é iniciar uma produção industrial contínua.
Se cumprir o cronograma, a China pode se tornar o primeiro país do mundo a transformar a extração de urânio do mar em uma operação viável e estável.
O material DAE-MOF agora é visto como peça central nessa jornada.