Projeto de construção de terminal portuário privado em Arroio do Sal gera debate entre promessas de desenvolvimento logístico e preocupações com impactos ambientais e sociais.
A construção de um terminal portuário privado em Arroio do Sal, no litoral norte do Rio Grande do Sul, tem movimentado políticos, empresários, ambientalistas e moradores. Batizado de Porto Meridional, o projeto de um Terminal de Uso Privado (TUP) é defendido por seus articuladores como um sonho antigo — e até creditado ao imperador Dom Pedro II.
Apesar da aura histórica, o debate atual é extremamente técnico, estratégico e, principalmente, ambiental. A proposta está envolta em estudos técnicos, interesses econômicos e forte polarização política.
Arroio do Sal: destino de veraneio ou polo logístico?
Com apenas 11 mil habitantes fixos, segundo o IBGE (2022), Arroio do Sal chega a receber mais de 90 mil pessoas durante o verão. Conhecida por suas praias tranquilas, a cidade corre o risco de ver seu perfil turístico transformado pelo novo empreendimento portuário.
A DTA Engenharia, responsável pela obra, já entregou os estudos ao Ibama, dando início ao processo de licenciamento ambiental. O contrato de adesão foi assinado em outubro de 2024, e as obras estão previstas para começar em 2026, com inauguração em 2028.
Um porto com números superlativos
O Porto Meridional promete ser uma revolução logística para o estado:
- Profundidade de 17 metros
- Capacidade para navios de até 399 metros
- Movimentação de até 53 milhões de toneladas/ano
- Investimento total estimado em R$ 6,5 bilhões
- Previsão de geração de 7 mil empregos diretos e indiretos
Para a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), o projeto tem potencial de atrair investimentos superiores a R$ 4,7 bilhões em estruturas complementares, além de fortalecer a economia do estado.
O apoio político e empresarial ao terminal
O senador Luiz Carlos Heinze (PP/RS) é uma das principais vozes a favor do terminal. Segundo ele, a localização do porto proporciona vantagens geográficas e logísticas, como profundidade natural e correntes marítimas favoráveis.
“Seriam necessários cerca de 400 anos de acúmulo de sedimentos para justificar uma dragagem semelhante à do Porto de Rio Grande”, afirma Heinze. O parlamentar acredita que o novo porto reduzirá drasticamente os custos logísticos para empresas da Serra Gaúcha, especialmente em Caxias do Sul.
A criação da Frente Parlamentar em Apoio ao Porto de Arroio do Sal na Assembleia Legislativa, em 2022, mostra que o projeto tem forte respaldo político.
As críticas e o alerta ambiental para a construção do terminal
Por outro lado, o projeto enfrenta forte oposição local e científica. O deputado estadual Halley Lino (PT), presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Porto de Rio Grande, critica a iniciativa.
“O estado deveria criar soluções para gargalos como das rodovias e dos pedágios, problemas que, segundo ele, levaram o setor de cargas migrar para o estado vizinho, Santa Catarina”, diz.
A maior preocupação, no entanto, vem de especialistas em meio ambiente. O renomado geógrafo Jefferson Cardia Simões, da UFRGS, alerta para impactos irreversíveis nas praias e na vida marinha.
“Há uma migração de sedimentos que ocorrem no sentido sul-norte, seguindo o fluxo da corrente marinha. A construção de uma estrutura no mar bloqueando o fluxo, fará com que a praia na parte ao sul do porto aumente com o depósito de sedimentos, enquanto a praia na parte ao norte sofrerá erosão. Isso é o básico da geomorfologia costeira,” destaca Simões.
Estudos técnicos para a construção do terminal
Organizações como o Instituto Curicaca questionam os estudos técnicos apresentados pela DTA Engenharia. Para o coordenador técnico do Instituto, Alexandre Krob, o trecho entre Arroio do Sal e Torres é habitat de espécies como baleias-francas, golfinhos, tartarugas e leões marinhos.
“A existência de um porto na área coloca em risco a vida dessas espécies e compromete todo o ecossistema local”, afirma Krob.
Além disso, o Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Movln/RS) reforça a crítica, alegando que os impactos vão muito além do esperado e que o projeto negligencia fatores ecológicos fundamentais.
Porto de Rio Grande x Porto Meridional: rivalidade ou complementaridade?
O Porto de Rio Grande, situado ao sul do estado, é hoje o principal terminal portuário do Rio Grande do Sul. Ele está conectado à Lagoa dos Patos e protegido pelos molhes da barra.
Para o deputado Halley Lino, o porto já atende a demanda do estado, inclusive no comércio exterior com países como a China, que representa 43% dos destinos das exportações gaúchas.
Mas, para defensores do novo terminal, a distância de 464 km entre Rio Grande e Caxias do Sul é um entrave. O porto de Imbituba (SC), mais próximo da serra (380 km), tem sido a alternativa, mas empresários locais preferem uma solução dentro do próprio estado.
Embora o contrato de adesão esteja assinado, o projeto ainda depende do licenciamento ambiental. O Ministério de Portos e Aeroportos já confirmou que sem a liberação do Ibama, nenhuma obra poderá começar.
A DTA Engenharia afirma que está cumprindo todas as exigências legais e que o terminal será uma “concorrência saudável” com o Porto de Rio Grande.
A Fiergs reconhece os potenciais riscos ambientais, mas defende que o desenvolvimento econômico não precisa ser excludente. “A instalação de um novo porto em Arroio do Sal é importante para diversificar a oferta de estrutura logística do Rio Grande do Sul, hoje baseada somente em Rio Grande. A logística é um dos elementos que mais impactam na competitividade da indústria gaúcha”, declarou a entidade em nota.