Pesquisador do MIT cria técnica que restaura pinturas danificadas usando película impressa com mais de 57 mil cores, sem aplicar tinta original
Em um laboratório do MIT, nos Estados Unidos, uma pintura do século XV voltou à vida. Ela estava danificada demais para ser exibida, mas ganhou nova aparência sem que um pincel tradicional sequer a tocasse.
A transformação foi feita com uma máscara fina e transparente, impressa com mais de 57 mil cores, alinhada com precisão sobre a pintura original. O processo foi desenvolvido por Alex Kachkine, pesquisador do MIT, e está sendo considerado uma alternativa inovadora à restauração convencional.
Uma técnica sem toque direto
Kachkine criou um método que reconstrói digitalmente as partes ausentes ou danificadas de uma pintura. Em vez de aplicar tinta diretamente na obra, ele imprime essa reconstrução em uma película flexível.
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Essa película é então posicionada sobre a obra e fixada com um verniz especial que pode ser removido sem danificar o original.
“Foram anos de esforço para fazer o método funcionar”, disse Kachkine. Segundo ele, houve alívio quando finalmente conseguiu unir as partes da pintura.
A técnica é considerada mais rápida e reversível do que as restaurações tradicionais. E oferece uma nova possibilidade para as milhares de obras que permanecem guardadas em museus, sem condições de serem restauradas manualmente.
Século XV: A obra restaurada
O teste foi feito com uma pintura a óleo do final do século XV, atribuída ao Mestre da Adoração do Prado. A obra retrata a Adoração dos Magos e foi dividida em quatro painéis. Cada um apresentava sinais claros de desgaste. Ao todo, 5.612 partes precisaram de reconstrução.
Normalmente, um trabalho como esse levaria meses. Com o novo método, Kachkine concluiu tudo em menos de quatro horas.
Ele digitalizou a pintura em alta resolução, usou ferramentas digitais e até aprendizado de máquina para ajudar na reconstrução. Para o rosto do bebê — completamente perdido — ele usou como base uma obra parecida do mesmo artista, exposta em Washington.
A imagem final serviu de base para a impressão da máscara. Com impressoras a jato de tinta e laser, foram aplicadas camadas microscópicas de pigmento em uma folha flexível. A máscara resultante foi ajustada com cuidado sobre a superfície da pintura e envernizada.
Como um curativo sobre a obra
O resultado impressiona. A máscara se sobrepõe às áreas danificadas, devolvendo o visual da obra sem alterar o original. “É como aplicar um curativo que se assemelha à pele por baixo”, afirmou Kachkine.
Para se ter uma ideia do nível de detalhe, a máscara utilizou 57.314 cores diferentes em uma área equivalente a uma folha de papel.
Algumas cores foram retiradas de partes preservadas da mesma pintura. Outras foram calculadas digitalmente ou emprestadas de obras do mesmo artista.
O processo inteiro de aplicação levou apenas 3,5 horas, em comparação com as cerca de 200 horas que seriam necessárias com pincéis.
Obras esquecidas ganham chance
O impacto da técnica pode ser enorme. Segundo Hartmut Kutzke, da Universidade de Oslo, o método será especialmente útil em obras com valor de mercado mais baixo, que normalmente não são priorizadas para restauração. “Pode ampliar o o do público à arte, trazendo pinturas danificadas para um novo público”, comentou.
É importante destacar que a nova técnica não substitui a conservação tradicional. Ela não limpa nem estabiliza a tinta original. Mas permite uma restauração visual eficiente, com menos tempo e menos custo. E o melhor: é reversível. A máscara pode ser retirada com solventes, sem prejudicar a obra.
Nem todos estão convencidos
Apesar dos avanços, há quem levante dúvidas. Julian Baumgartner, restaurador em Chicago, afirmou que o toque humano sempre foi parte essencial da restauração. Para ele, tirar isso muda a relação das pessoas com a arte.
Margaret Holben Ellis, da Universidade de Nova York, disse que o método ainda não ou por uma revisão detalhada de curadores e historiadores. “Você não pode dizer, olhando uma foto, se isso parece uma boa restauração ou apenas uma decoração”, afirmou.
Peggy Van Witt, restauradora na Flórida, teme o impacto na profissão. Ela disse que o uso dessa tecnologia pode tirar empregos e até ser mal utilizado para criar falsificações que pareçam autênticas.
Kachkine reconhece essas preocupações. “Essa técnica não substitui o trabalho dos conservadores”, disse ele. “Espero que eles concordem.”
Entre técnica e tradição
O debate é antigo: desde o século XVIII, especialistas discutem até que ponto se deve restaurar uma obra e se essas intervenções devem ser visíveis. Kachkine procurou respeitar esse equilíbrio.
De perto, a máscara não é perfeita. Alguns pixels aparecem, e há pequenos erros de alinhamento. Mas ele acredita que isso faz parte da honestidade do processo.
“Eu queria que isso fosse uma ferramenta”, explicou — e não um substituto para a experiência humana.
Kutzke, da Noruega, também vê potencial, embora com cautela. Para ele, ainda é cedo para avaliar os efeitos de longo prazo dessa técnica em diferentes tipos de pintura. Mesmo assim, ele não vê, por enquanto, risco significativo à segurança das obras.
Um rosto, um futuro possível
Hoje, a máscara criada por Kachkine ainda cobre a pintura original, no apartamento do próprio pesquisador. O rosto do bebê restaurado aparece tranquilo, integrado à cena.
Mas a importância do trabalho não está apenas nessa imagem. Museus do mundo todo enfrentam acervos enormes e recursos escassos.
Pinturas danificadas seguem escondidas, muitas vezes esquecidas. A técnica de Kachkine pode mudar esse cenário. E permitir que obras antes condenadas ao esquecimento sejam vistas novamente.
Com informações de ZME Science.