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Brasil e EUA mantêm comércio bilateral de petróleo: entenda por que os dois países compram e vendem óleo bruto entre si com focos diferentes

Escrito por Débora Araújo
Publicado em 23/05/2025 às 19:37
Brasil e EUA mantêm comércio bilateral de petróleo: entenda por que os dois países compram e vendem óleo bruto entre si com focos diferentes
Foto: IA

Apesar de parecer contraditório, a troca de petróleo entre Brasil e Estados Unidos segue uma lógica técnica e estratégica que movimenta bilhões de dólares

Em 2024, o Brasil e os Estados Unidos intensificaram o comércio bilateral de petróleo, consolidando a commodity como um dos principais produtos de troca entre as duas maiores economias do continente americano. O curioso é que ambos exportam e importam óleo bruto um do outro — o que, à primeira vista, parece um contrassenso. Mas a prática faz sentido do ponto de vista técnico, logístico e comercial, como explicam especialistas e dados oficiais.

De acordo com informações da Câmara Americana de Comércio (Amcham), o óleo bruto de petróleo foi o item mais exportado pelo Brasil para os Estados Unidos em 2024. Em contrapartida, o mesmo produto também apareceu na sexta colocação entre os itens mais importados pelo Brasil da economia americana. Essa troca de petróleo, aparentemente redundante, é explicada por diferenças na qualidade do óleo, na capacidade de refino e nas necessidades de derivados de cada país.

Por que Brasil e EUA trocam o mesmo produto? Entenda como funciona o comércio bilateral de petróleo

A explicação para essa relação comercial complexa está na composição do petróleo. O produto extraído em diferentes partes do mundo tem características específicas, como densidade (leve, médio ou pesado) e teor de enxofre (doce ou ácido). Essas variações influenciam diretamente nos derivados que podem ser produzidos, como gasolina, diesel, querosene, nafta e óleos combustíveis.

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O Brasil, por exemplo, exporta principalmente o petróleo do pré-sal, considerado de alta qualidade, por ser leve e ter baixo teor de enxofre. Segundo Mahatma Ramos dos Santos, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), esse tipo de óleo bruto tem alto valor agregado, requer menos etapas de refino e tem menor pegada de carbono, o que o torna bastante atrativo no mercado internacional.

Já os Estados Unidos, especialmente a região do Golfo, também produzem óleos de boa qualidade, mas com composições diferentes das do pré-sal brasileiro. Segundo a Petrobras, há momentos em que as refinarias nacionais precisam de um tipo de petróleo que complemente o perfil de produção local. É quando o país importa óleo americano, geralmente mais leve ou com características específicas que favorecem a produção de determinados combustíveis.

Capacidade de refino determina o que comprar

A escolha sobre o que exportar ou importar não depende apenas da qualidade do petróleo, mas também da estrutura das refinarias. Como explica Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), cada refinaria tem um projeto técnico próprio, que determina quais tipos de petróleo podem ser processados com mais eficiência e quais derivados são priorizados.

“O parque de refino brasileiro trabalha com um blend que equilibra viabilidade econômica e planejamento de abastecimento. A configuração técnica de cada unidade influencia diretamente na decisão de importar certos tipos de óleo para compor esse blend”, afirma Ardenghy.

Essa flexibilidade permite que o país adapte sua matriz de abastecimento conforme a demanda interna. O Brasil, por exemplo, consome mais diesel e querosene de aviação, o que exige ajustes na mistura de petróleo processada nas refinarias.

Números do comércio bilateral de petróleo em 2024

De acordo com dados oficiais, o Brasil exportou US$ 7,5 bilhões em petróleo bruto e óleos combustíveis para os Estados Unidos em 2024, o que representou um crescimento de 23,1% e 41,6%, respectivamente, em comparação com o ano anterior. No sentido contrário, os EUA venderam ao Brasil US$ 6,4 bilhões em produtos semelhantes, mas com queda de 18% e 9,2% em relação a 2023.

Esses números mostram que, apesar da troca envolver o mesmo tipo de produto, o que está sendo comercializado são óleos com finalidades diferentes, integrando estratégias de abastecimento distintas. Enquanto o Brasil exporta volumes crescentes do pré-sal, os Estados Unidos vendem óleos com características que se encaixam melhor em determinadas refinarias brasileiras.

Brasil exporta mais da metade do petróleo que produz

Pela primeira vez na história, o Brasil exportou mais da metade de sua produção de petróleo em 2024. Ao todo, 52% do petróleo extraído no país foi destinado ao mercado externo, consolidando o país como um dos principais fornecedores globais de óleo bruto.

Segundo João Victor Marques Cardoso, pesquisador da FGV Energia, o Brasil ou a ser visto como uma alternativa estratégica ao fornecimento europeu, especialmente após as sanções impostas à Rússia pela guerra na Ucrânia. Além da China, os Estados Unidos são um dos maiores compradores do petróleo brasileiro atualmente.

A nova posição do Brasil no cenário global também alterou a dinâmica de atuação da Petrobras. A participação da estatal nas exportações caiu de 43% em 2021 para 38% em 2024. Especificamente no comércio com os EUA, a queda foi ainda maior: de 42% para 17%.

Apesar disso, a Petrobras segue como peça-chave no mercado internacional. A empresa afirma que é superavitária em petróleo e vende apenas o excedente da demanda interna. Cada carga exportada é negociada individualmente, de acordo com as condições de mercado.

Derivados e valor agregado na pauta comercial

Outro ponto relevante é a presença dos óleos combustíveis derivados do petróleo na pauta de importação brasileira. Em 2024, o país comprou dos EUA mais que o dobro, em valor, desse item em relação às exportações. Isso mostra que o Brasil ainda depende da importação de alguns derivados, mesmo sendo exportador líquido de petróleo bruto.

Para Mahatma Santos, do Ineep, essa dependência indica um potencial de crescimento para o setor de refino nacional. Ele defende que o Brasil invista mais na produção de derivados de maior valor agregado, o que fortaleceria a balança comercial e criaria empregos qualificados na indústria.

“O parque nacional de refino pode ser uma ferramenta estratégica para que o Brasil avance no comércio internacional de combustíveis processados, e não apenas como exportador de matéria-prima bruta”, explica Santos.

Uma relação estratégica em tempos de incerteza global

A relação entre Brasil e EUA no comércio de petróleo também é influenciada pelo contexto geopolítico. Com o agravamento das sanções americanas a países como Rússia, Venezuela e Irã, o Brasil surge como um parceiro confiável e politicamente estável para garantir o fornecimento de petróleo aos Estados Unidos.

Segundo Cardoso, o futuro desse fluxo comercial depende da capacidade de reposição das reservas petrolíferas em ambos os países. Isso porque as previsões indicam que o pico de produção do Brasil e dos EUA deve ocorrer até 2030. Manter excedentes exportáveis dependerá de novas descobertas, investimentos e avanços tecnológicos.

Não é só petróleo — é estratégia

A troca de petróleo entre Brasil e Estados Unidos é muito mais do que uma simples compra e venda de óleo bruto. Trata-se de uma estratégia industrial e geopolítica, moldada por variáveis como qualidade do petróleo, capacidade de refino, demanda por derivados e conjuntura global.

Esse comércio bilateral de petróleo movimenta bilhões de dólares e mostra como dois grandes produtores conseguem manter relações complementares, beneficiando-se mutuamente da diversidade de seus recursos naturais e da configuração de suas cadeias produtivas.

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Débora Araújo

Débora Araújo é redatora no Click Petróleo e Gás, com mais de dois anos de experiência em produção de conteúdo e mais de mil matérias publicadas sobre tecnologia, mercado de trabalho, geopolítica, indústria, construção, curiosidades e outros temas. Seu foco é produzir conteúdos íveis, bem apurados e de interesse coletivo. Para sugestões de pauta, correções ou contato direto: [email protected]

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