Construída no auge da febre da borracha, a Ferrovia Madeira-Mamoré rasgou a Amazônia e ficou marcada por um custo humano assombroso, ganhando o apelido sinistro.
Nas profundezas da Amazônia, os trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) contam uma história de ambição, engenharia e tragédia. Conhecida como a “Ferrovia do Diabo” ou “Ferrovia da Morte”, sua construção no início do século XX custou milhares de vidas, um legado de sofrimento em meio à busca pela riqueza da borracha.
Impulsionada por acordos diplomáticos e pela necessidade de escoar o látex boliviano e brasileiro, a Ferrovia Madeira-Mamoré enfrentou a natureza implacável e condições de trabalho brutais, deixando uma marca indelével na história de Rondônia e do Brasil.
Sonho da borracha, acordo diplomático: a gênese da Ferrovia Madeira-Mamoré
No final do século XIX, a demanda mundial por borracha era imensa. Para os seringais da Bolívia e do sudoeste do Mato Grosso, o escoamento pelo rio Madeira era bloqueado por dezenove cachoeiras. A solução surgiu com o Tratado de Petrópolis (1903): o Brasil anexou o Acre e se comprometeu a construir uma ferrovia contornando essas corredeiras, garantindo à Bolívia uma saída para o Atlântico. Tentativas anteriores de construir a ferrovia haviam fracassado tragicamente.
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Desafios na selva: a construção e a mão de obra multinacional
Sob o comando do empresário norte-americano Percival Farquhar, a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré iniciou em 1907. O desafio era vencer 366 km de selva virgem, pântanos e clima hostil. Porto Velho foi fundada como base operacional.
Mais de 20.000 trabalhadores de mais de 40 nações foram recrutados, incluindo brasileiros (nordestinos), antilhanos, espanhóis, portugueses e outros europeus e asiáticos. Os norte-americanos ocupavam majoritariamente cargos de chefia.
O alto preço da Ferrovia Madeira-Mamoré: doença, morte e exploração
A vida nos canteiros era um inferno. Doenças tropicais como malária, febre amarela e beribéri dizimavam os trabalhadores. O Hospital da Candelária, embora bem equipado para a época, não dava conta da demanda. A expectativa de vida de um trabalhador chegou a ser de apenas três meses.
Acidentes de trabalho eram frequentes, e conflitos com indígenas, como os Karipuna, também contribuíram para a mortalidade. Estimativas indicam cerca de 6.000 mortos durante os cinco anos de construção principal (1907-1912), uma média de 16,4 mortes por quilômetro, o que justifica o apelido “Ferrovia do Diabo”, embora a lenda fale em “6 mil vidas por quilômetro”.
Apogeu fugaz e o lento declínio até a desativação
Inaugurada em 1º de agosto de 1912, a Ferrovia Madeira-Mamoré teve um breve período de prosperidade. Logo, a concorrência da borracha asiática derrubou os preços e a viabilidade econômica da ferrovia. A empresa de Farquhar faliu, e o governo brasileiro assumiu o controle em 1931.
Houve uma reativação durante a Segunda Guerra Mundial para a “Batalha da Borracha”. No entanto, com o fim da guerra e a construção de rodovias como a BR-364, a ferrovia tornou-se obsoleta e foi oficialmente desativada em 1972.
A memória da Ferrovia Madeira-Mamoré hoje
Apesar do fracasso econômico, a Ferrovia Madeira-Mamoré foi fundamental para a criação de Porto Velho e Guajará-Mirim e para a ocupação de Rondônia. Tornou-se um símbolo da audácia humana, mas também da exploração e do sofrimento.
O Pátio Ferroviário em Porto Velho foi tombado pelo IPHAN. Recentemente revitalizado, o complexo abriga o novo Museu da EFMM, reaberto em maio de 2024. Há planos para restaurar a Locomotiva 18 para eios turísticos, mantendo viva a complexa memória desta trágica e importante obra.